Meu sogro, Vicente Pires

22 de janeiro de 2022, se vivo estivesse, meu sogro, Vicente Pires, estaria celebrando 82 anos de vida. Todavia, sua vida foi interrompida precocemente aos 73 anos de vida, provocado por um tumor maligno e perverso, que o arrebatou estupidamente de nossa convivência. Nunca mais aquele sorriso largo e franco, ao perceber-se rodeado de filhos, netos, genros e amigos; Nunca mais aquele humor inteligente, nunca mais aquele papo, nunca mais aquela antártica, nunca mais aquela crônica… bom, nesse ponto, para matar saudades, segue uma de suas crônicas, intitulada “ O Pijama de Bolinhas”.

O PIJAMA DE BOLINHA

Desde criança que sou avesso a dormir com qualquer tipo de roupa.

Sentia-me incomodado quando nos meses de julho e agosto, época em que o frio é mais intenso, minha mãe obrigava-me a vestir pijamas de flanela.

Para não levar puxões de orelhas, obedecia na hora de ir para a cama, mas lá para as tantas, descobria-me e ficava nuzinho como cheguei ao mundo.

Fui crescendo, e aos doze anos de idade ganhei a minha primeira cueca. Cueca de pano fino, conhecida hoje como samba canção. Bem folgada, branquinha, batendo abaixo do meio da coxa, comecei a me sentir próximo de um verdadeiro homem, pois os homens usavam cuecas.

A cueca samba-canção era diferente do pijama de flanela. Este era fechado, quente e incômodo. A cueca, não! Era fresca, sem botões na braguilha, o que facilitava no meio da noite o uso do pinico. Dava mais liberdade ao protegido mor, pois na madrugada, quando chegava aquela ereção matinal, ele tinha liberdade de sair e levantar-se, armando a coberta como um toldo de circo, sem que fosse necessário desabotoar a braguilha.

Mas nem todos são iguais. As preferencias e costumes divergem de pessoa para pessoa.

Naquele sábado, por exemplo, final de semana bom para curtir algumas louras geladas ( sem ser mulher), e era justamente o que estávamos fazendo, já por volta das vinte e três horas, quando apareceu apavorado e apreensivo, o amigo comum, Dr. Costinha, cabelos desgrenhados, fisionomia tensa, olhar inquieto.

Nada foi preciso perguntar. Sentou-se ao lado do Doutor Madura e começou a desfiar sua desdita. Vinte e cinco anos de casado, muitas rusgas familiar, promessas nunca cumpridas de abandonar o lar, mas hoje aconteceu. Precisamente não foi um abandono de lar e sim uma paixão. A mulher, a sogra e um casal de filhinhos resolveram que a partir daquele dia ele não dormiria mais naquela casa, na sua própria casa, construída com muito amor, suor e empréstimos bancários.

E o pior de tudo é que aquela decisão foi tomada pelos seus familiares no momento em que chegara em casa, curtido de espumosas, pronto para enfrentar Morfeu numa boa.

Via-se agora de volta ao ambiente onde passara a maior parte do dia. O bar.

Suas agruras estavam sendo transmitidas aos amigos.

Não tinha coragem de voltar para casa, pelo menos naquela noite.

Saíra às pressas, quase escorraçado, só com a roupa do corpo e sua Belina de estimação, carro de sua paixão, amor de vinte anos.

Aconselhado pelo Doutor Madura, usou o celular e reservou uma suíte num hotel à beira mar, onde passaria aquela noite.

Quando tudo parecia calmo e resolvido o problema, Costinha se lembrou de um detalhe, considerado de fundamental importância para ele. O pijama. Costinha não conseguia dormir se não fosse de pijama. E Como saíra de casa naquelas circunstâncias, como fazer para dormir? A suíte do hotel de quatro estrelas tinha sauna, onde os vapores etílicos poderiam ser dissipados pelos caloríferos. Mas, e e na hora de ir para cama? Cadê o pijama?

No seu desespero Costinha ameaçava arrombar qualquer loja no comércio para pegar um pijama. E tinha que ser pijama de calça comprida e blusa também de manga comprida. Era como ele gostava. Não conseguia dormir vestido de outra maneira.

Tinha o costume de antes de deitar-se, mirar-se no espelho do guarda-roupa, virando-se para a direita, esquerda, de costa, para ver como o pijama estava assentado no seu corpo. Costinha adorava ver-se vestido no pijama. E agora, como fazer para passar aquela noite fora de casa?

A sorte de Costinha foi a chegada da esposa do Doutor Madura, que tomando conhecimento do drama do amigo comum, resolveu o problema. Lembrou ao marido que aquele pijama de bolinhas que ela lhe presenteara nos primeiros anos de casados, coisa de vinte anos atrás, e que ele se recusara a usar porque era de bolinhas, continuava guardado na parte do guarda-roupa que lhe cabia.

Final feliz de noite para o Costinha.

Não se preocupava como ficara sua esposa, sogra e filhos naquela noite. Ele, sim, dormirá feliz e tranquilo, pois conseguira emprestado um pijama. O pijama de bolinhas.

VICENTE PIRES

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