Era meados do mês de julho de 1989, sol escaldante e muita poeira , e ali naquela estrada quase deserta, procurava ansiosamente chegar a então desconhecida Urandi, minha primeira Comarca. Já se aproximava do meio dia e o carro guiado por um senhor da vizinha cidade de Guanambi rumava vagarosamente. Calado, absorto, permitia que meu pensamento alçasse vôos mirabolantes, no sentido de saciar minha curiosidade. Como seria a cidade? O seu povo? Como seria o meu comportamento diante de tão difícil desafio? Minha família se adaptaria a nova cidade? Diante do desconhecido e dos desafios da carreira de magistrado todas essas indagações fervilhavam na minha mente, entretanto, algo forte que partia de dentro de mim irradiava energia e muita confiança para enfrentar os obstáculos e obter sucesso no desafio.
Já passava do meio-dia, quando do alto da estrada avistei Urandi, guardada dentro de um vale, cercada pela serra dos Gerais, que se estende até o Estado de Minas Gerais. A cidade de Urandi com pouco mais de quinze mil habitantes situa-se na Região sudoeste da Bahia e fez divisa com a cidade mineira de Espinosa, tendo na pecuária e algodão suas principais atividades econômicas. O fórum fica localizado na Praça da Bandeira, ponto central da cidade, onde também se localizam a Prefeitura, a Igreija e as duas únicas agências bancárias. O clima é quente e seco, sendo a terra severamente castigada pelas longas estiagens, entretanto, quando chega a chuva do umbu, o verde aparece resoluto para protestar que a terra é fértil. Não posso esquecer do trem que caprichosamente deslizava lá no alto da serra dos gerais transportando minerais para outras cidades. Era impossível não embarcar nas asas da imaginação do trenzinho e conhecer as paisagens do sertão e segredos escondidos por trás das serras dos gerais.
O tempo passou e no cotidiano da pequena cidade aprendi a gostar daquela gente simples, alegre e sofrida, que ainda acredita no futuro e sabe entoar a verdadeira música da fraternidade humana. O Dr. Roberto Dantas, advogado residente na cidade, certa vez me confidenciou que a pessoa que bebesse da água de Urandi não mais a esqueceria. Parece que a lenda se tornou realidade, pois Urandi conquistou definitivamente meu coração de sertanejo, que nasceu nas barrancas do São Francisco, precisamente, em Bom Jesus da Lapa. A idéia que fica nos leva a crer , que foi erigida uma gigantesca barreira naquele local para proteger seu povo das maledicências e da podridão humana, pois o que ali grassa , na verdade, são os valores mais caros do ser humano, que transforma o seu povo num verdadeiro tesouro muito raro, difícil de se encontrar em outras plagas.
No campo profissional tive o privilégio de trabalhar com um corpo de serventuários exemplar, sempre dedicado ao trabalho e pronto para obedecer ás ordens, apesar do salário aviltado. Não posso esquecer da figura altiva de Teódulo, servidor probo e dedicado, que aproveitava o final de semana para colocar o trabalho em dia, mas que na hora de lazer soltava a alma de criança e pilheriava das estórias de ilustres urandinenses, inclusive, de Edílson. Na memória permanece viva a imagem do Sr. Vivaldo, homem de reconhecido preparo espiritual, que mesmo depois de aposentado não esqueceu o caminho do fórum. Não posso esquecer do meu amigo Edílson, servidor polivalente e torcedor do timão. Não poderia esquecer do violão de Didi e de seu filho, Sergio, que embalaram muitas serestas sob o testemunho singular do luar do sertão.
O tempo passou e a amizade se consolidou gradativamente. Não posso continuar a descrever, pois tornaria o texto por demais longo. Na verdade, quero expressar que tive o privilégio de viver momentos inesquecíveis e conviver com pessoas maravilhosas e de alma grande, como dona Chica, Terezinha, Dona Ana, Dr. Dantas e sua estima esposa, Edite, que me ensinaram a acreditar nos valores da amizade, honestidade, paciência e amor. A terrinha do ilustre maestro Fred Dantas mora no meu coração e agora, após o transcurso de quase um lustro da minha investidura como Juiz de Direito da Comarca de Urandi, posso assegurar que o desafio foi vencido, as indagações respondidas positivamente e a experiência valeu, pelo muito que me enriqueceu espiritual e profissionalmente, recheando os momentos que por ali compartilhei com minha esposa Rosana e filhos, de muita emoção, ternura e alegria irradiada pelos sertanejo forte e humilde da minha doce e inesquecível URANDI.
* Marcos Bandeira – Juiz de Direito da Vara do Júri da Comarca de Itabuna e Professor de Direito da UESC.