publicada em 09-07-2008
Ementa:
TUTELA – NECESSIDADE DE PRÉVIA DESTITUIÇÃO OU SUSPENSÃO DO PODER FAMILIAR – PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 36 DO ECA – ABANDONO MATERIAL – PRESERVAÇÃO DOS INTERESSES SUPERIORES DA CRIANÇA
Proc. nº 9993…
TUTELA
REQUERENTE: MARCOS SANTOS BORGES
ADVOGADO DO REQUERENTE: BEL. AUGUSTO JOSÉ MATOS
TUTELADA: PRISCILA BASTOS
MARCOS SANTOS BORGES, devidamente qualificado nos autos, ajuizou AÇÃO DE TUTELA contra PAULO AMORIM E MARIA CLARA SOUZA, qualificados nos autos, em face da criança Priscila Bastos e com fundamento nos dispositivos pertinentes da Lei nº 8.069/90 e do Código Civil Brasileiro, alegando , em síntese, que é avô paterno da tutelada , a qual foi deixada assim que nasceu na sua porta, desnutrida e cheio de feridas, como se fosse um objeto sem qualquer importância.
Aduz o ilustre advogado que o requerente vem cuidando muito bem da criança e reúne todas as condições, nos termos estabelecidos pelo Código Civil para ser tutor, mesmo porque os pais biológicos não dispõem das condições mínimas de cuidar da infante.
Requereu, por conseguinte, a concessão do pedido após a ouvida do Ministério Público, bem como o benefício da assistência judiciária gratuita.
Atribuiu-se à causa o valor de R$ 500,00(quinhentos reais) e a exordial veio acompanhada dos documentos de fls.05 a 13.
O pedido foi processado inicialmente perante a 4ª Vara Cível desta Comarca, cuja juíza titular declinou da competência por entender que a criança encontrava-se em situação de risco, remetendo os autos para esta Vara especializada.
Este Juízo determinou a abertura de vistas ao Ministério Público, o qual pediu providências, as quais foram cumpridas pelo ilustre advogado do requerente. Os demandados foram citados pessoalmente, todavia, quedaram-se inertes e deixaram transcorrer “in albis” o prazo legal para impugnar o pedido, ensejando que este Juízo, em face do caráter indisponível do poder familiar, se lhes nomeasse defensor dativo, o qual funcionou regularmente no feito acompanhado toda a fase procedimental. Nesse interregno foi juntado aos autos o Relatório do Estudo Social do Caso ( fls.50/52) e realizada a audiência de instrução, na qual foram inquiridas as testemunhas Ronaldo da Luz e Adriana Feitosa, arroladas pela parte demandante. Finalmente, o ilustre parquet, na condição de “custos legis” emitiu parecer favorável ao pedido, consoante se infere de sua promoção de fls.39. Vieram-me os autos conclusos.
É O RELATÓRIO.
DA FUNDAMENTAÇÃO E DECISÃO.
Como se sabe o poder familiar consubstancia-se no conjunto de direitos e deveres atribuídos ao pais para dirigir e reger a vida dos filhos menores. Logo, como se percebe o poder familiar não coexiste com a tutela, pois este pressupõe a perda ou pelo menos a suspensão do poder familiar, consoante dispõe o parágrafo único do art. 36 da lei nº 8.069/90, “in verbis”:
Art. 36 – A tutela será deferida , nos termos da lei civil, pessoa de até 21 (vinte e um) anos incompletos.
Parágrafo único – O deferimento da tutela pressupõe a prévia decretação da perda ou suspensão do pátrio poder e implica necessariamente o dever de guarda.
É Cediço que o poder familiar é um múnus instituído fundamentalmente no interesse superior de proteger a criança e adolescente no seio de sua família de origem. Logo, quando houver falta no exercício deste poder, capaz de colocar a criança em situação de risco social ou moral, à guisa do ECA, deve o Estado-Juiz, quando provocado , intervir afastando os genitores, sejam definitiva ou temporariamente, dependendo da gravidade do fato que lhes é imputado.
Na hipótese vertente, vê-se que a tutelada foi abandonada, entregue a própria sorte e deixada na porta da casa do requerente, configurando, sem dúvida, estado de abandono material, a teor do que dispõe o art. 1.638, II do Código Civil Brasileiro, ensejando, destarte,a perda do poder familiar. As provas constantes dos autos indicam que a infante encontrava-se exposta à situação potencial de risco, pois apresentava sinais de desnutrição, feridas expostas e poderia ser alvo de qualquer agressão. Reforçando ainda essa assertiva, vê-se que durante mais de quatro anos os genitores simplesmente desistiram de criar a infante, pois jamais esboçaram qualquer gesto de arrependimento ou sequer de tentar reaver sua filha, caracterizando, de forma solar, o descumprimento injustificado dos deveres inerentes ao poder familiar.
Por outro lado, o Relatório do Estudo Social do caso revela que a criança já se encontra totalmente integrada ao lar substituto, no qual vem recebendo toda a assistência material e afeto, indispensáveis para o seu pleno desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual.
As demais formalidades legais foram observadas, inclusive no que toca a incidência do princípio do contraditório e da ampla defesa, pois os genitores foram citados pessoalmente e não impugnaram o pedido. Não obstante, em face do caráter indisponível do poder familiar, este magistrado nomeou defensor dativo para defender seus interesses, tendo o mesmo funcionado no feito e reconhecido a observâncias das demais exigências legais.
Desta forma, verifica-se claramente que o pedido se funda em motivos absolutamente legítimos e apresenta reais vantagens a tutelada ou pupila. Demais disso, o pedido mereceu o parecer favorável do Ministério Público, o qual reconheceu a preservação dos interesses superiores da criança e a observância das demais formalidades legais.
Posto isso, julgo procedente o pedido para destituir PAULO AMORIM E MARIA CLARA SOUZA do poder familiar que exercia sobre a criança Priscila Bastos, em face de abandono material, nos termos do art. 1.638, II do Código Civil Brasileiro, e de igual modo, concedo ao requerente MARCOS SANTOS BORGES, devidamente qualificado nos autos, a TUTELA da criança Prsicila Bastos, nos termos dos arts. 36 a 38 da Lei nº 8.069/90 e demais dispositivos pertinentes do Código Civil Brasileiro, com todos os seus consectários legais, cabendo-lhe assim o múnus de reger a vida da pupila e representá-la em todos os atos da vida civil. Deixo de determinar a especialização de hipoteca legal, em face da ausência de bens em nome da menor. Expeça-se o competente termo de tutela, pela devida forma.
Sem custas, nos termos do § 2º do art. 141 do ECA.
Transitado em julgado, arquivem-se os autos.
P.R.I.
Itabuna-BA, 19 de Novembro de 2005.
BEL. MARCOS ANTONIO SANTOS BANDEIRA
JUIZ DE DIREITO