A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA E A V ISÃO SÓCIO-ASSISTENCIAL: os riscos da revivência da doutrina da situação irregular sob um novo rótulo

A Medida Socioeducativa e a visão sócio-assistencial: os riscos darevivência da doutrina da situação irregularsob um novo rótulo.
*João Batista Saraiva

A idéia da descentralização do atendimento, levando em conta oprincípio da especialização e a constante busca da participação dasociedade no atendimento do adolescente autor de ato infracional, foiconstitutiva da própria Doutrina da Proteção Integral.Fundada no princípio da peculiar condição de pessoa emdesenvolvimento a Doutrina da Proteção Integral contrapõe-se à vetustaDoutrina da Situação Irregular que norteava o Código de Menores. Esteincluía praticamente 70% da população infanto-juvenil brasileira nesta�/span>condição, bastando ver a redação do artigo segundo do revogado Código deMenores.Pela ideologia da situação irregular, “os menores” tornam-se interessedo direito especial quando apresentam uma “patologia social”, a chamadasituação irregular, ou seja quando não se ajustam a um padrãoestabelecido.
A declaração de situação irregular tanto poderia derivar de suaconduta pessoal (caso de infrações por ele praticadas ou de “desvio deconduta”), como da família (maus tratos) ou da própria sociedade(abandono). Haveria uma situação irregular, uma “moléstia social”, semdistinguir, com clareza, situações decorrentes da conduta do jovem oudaqueles que o cercam.Reforçava-se a idéia dos grandes institutos para “menores” (até hojepresentes em alguns setores da cultura nacional), onde misturavam-seinfratores e abandonados, vitimizados por abandono e maus tratos comvitimizadores autores de conduta infracional, partindo do pressuposto deque todos estariam na mesma condição: estariam em “situação irregular”3.Mary Beloff, professora de Direito Penal Juvenil na Faculdade deDireito da Universidade de Buenos Aires, resume uma série de distinçõesentre a Doutrina da Situação Irregular, que presidia o Código de Menores eas legislações latino-americanas da época , derrogados pela Convenção dasNações Unidas de Direito da Criança, e a Doutrina da Proteção Integralresultante da nova ordem internacional4. Do trabalho de Mary Beloff seextrai como características da Doutrina da Situação Irregular:a) as crianças e os jovens aparecem como objetos de proteção, nãosão reconhecidos como sujeitos de direitos e sim como incapazes.Por isso as leis não são para toda a infância e adolescência, massim para os “menores”.
b) Se utilizam categorias vagas e ambíguas, figuras jurídicas de “tipoaberto”, de difícil apreensão desde a perspectiva do direito, taiscomo “menores em situação de risco ou perigo moral ou material”,ou “em situação de risco”, ou “em circunstâncias especialmentedifíceis”, enfim estabelece-se o paradigma da ambigüidade.c) Neste sistema é o menor que está em situação irregular; são suascondições pessoais, familiares e sociais que o convertem em um“menor em situação irregular” e por isso objeto de umaintervenção estatal coercitiva, tanto ele como sua família.d) Estabelece-se uma distinção entre as crianças bem nascidas eaqueles em “situação irregular”, entre criança e menor, de sorteque as eventuais questões relativas àquelas serão objeto do Direitode Família e destes dos Juizados de Menores.e) Surge a idéia de que a proteção da lei visa aos menores,consagrando o conceito de que estes são “objeto de proteção” danorma.f) Esta “proteção” freqüentemente viola ou restringe direitos, porquenão é concebida desde a perspectiva dos direitos fundamentais.g) Aparece a idéia de incapacidade do menor.h) Decorrente deste conceito de incapacidade, a opinião da criançafaz-se irrelevante.i) Nesta mesma lógica se afeta a função jurisdicional, já que o Juiz deMenores deve ocupar-se não somente de questões tipicamentejudiciais, mas também de suprir as deficiências de falta de políticaspúblicas adequadas. Por isso se espera que o Juiz atue como um“bom pai de família” em sua missão de encarregado do “patronato”do Estado sobre estes “menores em situação de risco ou perigomoral ou material”. Disso resulta que o Juiz de Menores não estálimitado pela lei e tenha faculdades ilimitadas e onipotentes dedisposição e intervenção sobre a família e a criança, com amplopoder discricionário.j) Há uma centralização do atendimento.k) Estabelece-se uma indistinção entre crianças e adolescentes quecometem delito com questões relacionadas com as políticas sociaise de assistência, conhecido como “seqüestro e judicialização dosproblemas sociais”.l) Deste modo se instala uma nova categoria, de “menorabandonado/delinqüente” e se “inventa” a delinqüência juvenil.m) Como conseqüência deste conjunto se desconhece todas asgarantias reconhecidas pelos diferentes sistemas jurídicos noEstado de Direito, garantias estas que não são somente parapessoas adultas.n) Principalmente, a medida por excelência que é adotada pelosJuizados de Menores, tanto para os infratores da lei penal quantopara as “vítimas” ou “protegidos”, será a privação de liberdade.Todas estas medidas impostas por tempo indeterminado.o) Consideram-se as crianças e adolescentes como inimputáveispenalmente em face dos atos infracionais praticados. Esta ação“protetiva” resulta que não lhes será assegurado um processo comtodas as garantias que têm os adultos e que a decisão de privá-losde liberdade ou de aplicação de qualquer outra medida, nãodependerá necessariamente do fato cometido, mas sim,precisamente, da circunstância de a criança ou adolescenteencontrar-se em “situação de risco”.Neste tempo, de vigência do Código de Menores, a grande maioria dapopulação infanto-juvenil recolhida às entidades de internação do sistemaFEBEM no Brasil, na ordem de 80%, era formada por crianças eadolescente, “menores”, que não eram autores de fatos definidos comocrime na legislação penal brasileira. Estava consagrado um sistema decontrole da pobreza, que Emílio Garcia Mendez define como sócio-penal,na medida em que se aplicavam sanções de privação de liberdade asituações não tipificadas como delito, subtraindo-se garantias processuais.Prendiam a vítima. Esta também era, por conseqüência, a ordem queimperava nos Juizados de Menores.A criminalização da pobreza, a judicialização da questão social naórbita do então Direito do Menor, que orientava os Juizados de Menores daépoca, pode ser bem definida a partir da experiência da instalação doJuizado da Infância e Juventude de Porto Alegre, nos primeiros instantes devigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, no final de 1990, iníciode 1991.Quando o Juiz Marcel Hoppe foi incumbido de instalar o novoDireito da Infância e da Juventude na Capital do Rio Grande do Sul,construindo um novo Juizado da Infância e Juventude, encontrou mais devinte e cinco mil processos em tramitação no Juizado. Realizada umatriagem nos processos, verificados quais efetivamente envolviam questõesjurisdicionais, sob a ótica do novo direito, os feitos foram reduzidos parapouco mais de três mil5.
A implantação da nova ordem em substituição ao que havia noJuizado da Infância e Juventude de Porto Alegre veio a ser mais tardereconhecida pelo UNICEF, conferindo prêmio ao Juiz Marcel Hoppe6.Sobre a aplicação da Doutrina da Situação Irregular e aoperacionalidade do Código de Menores, aduz Martha de ToledoMachado7:
Enquanto no Brasil, em 1979, editava-se o Código de Menores,expressão máxima da Doutrina da Situação Irregular e do caráter tutelar doDireito de Menores, a ONU estabelecia aquele como o Ano Internacionalda Criança.Passavam vinte anos desde o advento da Declaração dos Direitos daCriança, em 1959, cumprindo fazer entre os países signatários daquelaCarta um balanço mundial dos avanços alcançados na efetivação daquelesdireitos enunciados.
Em face disso, percebendo a necessidade de uma NormativaInternacional com força cogente, apta a dar efetividade aos direitospreconizados na Declaração dos Direitos da Criança, na ONU, arepresentação da Polônia propôs a elaboração de uma Convenção sobre otema.A Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança de 1989 tem,pois, uma história de elaboração de dez anos, com origem em 1979.A Comissão de Direitos Humanos da ONU organizou um grupo detrabalho aberto para estudar a questão. Neste grupo poderiam participardelegados de qualquer país membro da ONU, além dos representantesobrigatórios dos 43 Estados integrantes da Comissão, organismosinternacionais como o UNICEF, e o grupo “ad hoc” das organizações nãogovernamentais.Em 1989, no trigésimo aniversário da Declaração dos Direitos daCriança, a Assembléia-Geral da Organização das Nações Unidas, reunidaem Nova York, aprovou a Convenção sobre os Direitos da Criança. Desdeentão os Direitos da Criança passam a se assentar sobre um documentoglobal, com força coercitiva para os Estados signatários, entre os quais oBrasil.A Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança, consagrandoa Doutrina da Proteção Integral, se constitui no principal documentointernacional de Direitos da Criança.No dizer de Antônio Carlos Gomes da Costa, a ConvençãoInternacional de Direitos da Criança é um documento poderoso paramodificação das maneiras de entender e agir das pessoas, grupos ecomunidades, produzindo mudanças no panorama legal, suscitando oreordenamento das instituições e promovendo a melhoria das formas deatenção direta.Apesar de não ser cronologicamente o primeiro texto, a Convençãoda ONU sobre Direitos da Criança contribuiu decisivamente paraconsolidar um corpo de legislação internacional denominado “Doutrina dasNações Unidas de Proteção Integral à Criança”.Conforme Emílio Garcia Mendez sob esta denominação estar-se-áreferindo a Convenção das Nações Unidas dos Direitos da Criança, AsRegras Mínimas das Nações Unidas para Administração da Justiça deMenores, As Regras Mínimas das Nações Unidas para a proteção dosjovens privados de liberdade e as Diretrizes das Nações Unidas para aprevenção da delinqüência juvenil. Este corpo de legislação internacional,com força de lei interna para os países signatários, entre os quais o Brasil,modifica total e definitivamente a velha doutrina da situação irregular. ADoutrina da Proteção Integral foi adotada pela Constituição Federal, que aconsagra em seu art. 227, tendo sido acolhida pelo plenário do CongressoConstituinte pela extraordinária votação de 435 votos contra 8.O texto constitucional brasileiro, em vigor desde o histórico outubrode 1988 antecipou-se à Convenção, vez que o texto da ONU veio a seraprovado pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 20 de Novembrode 1989.Na aplicação da Doutrina da Proteção Integral no Brasil, em cotejocom os primados da Doutrina da Situação Irregular que presidiam o velhoCódigo de Menores, o que se constata é que o País, o Estado e a Sociedadeé que se encontram em situação irregular.Assim, a Doutrina das Nações Unidas de Proteção Integral à Criança,com força cogente nos Países signatários, pode ser afirmada a partir destesquatro documentos:a) Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (20/11/89);b) Regras mínimas das Nações Unidas para a Administração dosDireitos dos Menores, conhecidas como regras de Beijing (29/11/85);9c) Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Menores Privadosde Liberdade (14/12/90);d) Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da DelinqüênciaJuvenil, conhecidas como Diretrizes como Diretrizes de Riad (14/12/90).Este conjunto normativo revogou a antiga concepção tutelar, trazendoa criança e o adolescente para uma condição de sujeito de direito, deprotagonista de sua própria história, titular de direitos e obrigações própriosde sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, dando um novocontorno ao funcionamento da Justiça de Infância e Juventude,abandonando o conceito de menor, como subcategoria de cidadania.Todo sistema de garantias construído pelo Direito Penal como fatordeterminante de um Estado Democrático de Direito é estendido a criança eao adolescente, em especial quando se lhe é atribuída a prática de umaconduta infracional.Princípios fundamentais, cujos, em nome de uma suposta açãoprotetiva do Estado eram esquecidos pela Doutrina da Situação Irregular,passam a ser integrantes da rotina do processo envolvendo crianças eadolescentes em conflito com a lei, tais como princípio da reserva legal, dodevido processo legal, do pleno e formal conhecimento da acusação, daigualdade na relação processual, da ampla defesa e contraditório, da defesatécnica por advogado, da privação de liberdade como excepcional esomente por ordem expressa da autoridade judiciária ou em flagrante, daproteção contra a tortura e tratamento desumano ou degradante, etc.Retomando a análise de Mary Beloff8 é possível listar as principaiscaracterísticas da Doutrina da Proteção Integral:a) Definem-se os direitos das crianças, estabelecendo-se que, no casode algum destes direitos vier a ser ameaçado ou violado, é dever dafamília, da sociedade, de sua comunidade e do Estado restabelece
o exercício do direito atingido, através de mecanismos eprocedimentos efetivos e eficazes, tanto administrativos quantojudiciais, se for o caso.b) Desaparecem as ambigüidades, as vagas e imprecisas categorias de“risco”, “perigo moral ou material”, “circunstâncias especialmentedifíceis”, “situação irregular”, etc.c) Estabelece-se que, quem se encontra em “situação irregular”,quando o direito da criança se encontra ameaçado ou violado, éalguém ou alguma instituição do mundo adulto (família, sociedade,Estado).d) Estabelece-se a distinção entre as competências pelas políticassociais e competências pelas questões relativas a infração à leipenal. Neste caso estabelecendo-se princípios fundamentais comoampla defesa, reconhecendo que os direitos das crianças e dosadolescentes dependem de um adequado desenvolvimento daspolíticas sociais.e) A política pública de atendimento deve ser concebida eimplementada pela sociedade e pelo Estado, fundada nadescentralização e focalizada nos municípios.f) É abandonado o conceito de menores como sujeitos definidos demaneira negativa, pelo que não têm, não sabem ou não sãocapazes, e passam a ser definidos de maneira positiva, comosujeitos plenos de direito.g) São desjudicializados os conflitos relativos a falta ou carência derecursos materiais, substituindo o anterior sistema que centrava aação do Estado pela intervenção judicial nestes casos.h) A idéia de Proteção dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes:Não se trata, como no modelo anterior, de proteger a pessoa dacriança ou do adolescente, do “menor”, mas sim de garantir osdireitos de todas as crianças e adolescentes.i) Este conceito de proteção resulta no reconhecimento e promoçãode direitos, sem violá-los nem restringi-los.j) Também por este motivo a proteção não pode significarintervenção estatal coercitiva.k) Da idéia de universalidade de direitos, se depreende que estas leis,derivadas da nova ordem, são para toda a infância e adolescência,não para uma parte. Por isso se diz que com estas leis se recupera auniversalidade da categoria infância, perdida com as primeiras leispara “menores”.l) Já não se trata de incapazes, meias-pessoas ou pessoasincompletas, mas sim pessoas completas, cuja particularidade éque estão em desenvolvimento. Por isso se reconhecem todos osdireitos que têm todas as pessoas, mais um plus de direitosespecíficos precisamente por reconhecer-se que são pessoas empeculiar condição de desenvolvimento.m) Decorre disso, por um imperativo lógico, o direito de a criança serouvida e sua palavra e opinião devidamente consideradas.n) Recoloca-se o Juiz na sua função jurisdicional, devendo a Justiçade Infância e Juventude ocupar-se de questões jurisdicionais, sejana órbita infracional (penal) seja na órbita civil (família).o) O Juiz da Infância, como qualquer Juiz no exercício de suajurisdição, está limitado em sua intervenção pelo sistema degarantias.p) Na questão do adolescente em conflito com a lei, enquanto autorde uma conduta tipificada como crime ou contravenção, sereconhecem todas as garantias que correspondem aos adultos nosjuízos criminais, segundo as constituições e os instrumentosinternacionais pertinentes, mais garantias específicas. Destas, aprincipal é de que os adolescentes devem ser julgados por tribunaisespecíficos, com procedimentos próprios e que a responsabilidadedo adolescente pelo ato cometido resulte na aplicação de sançõesdistintas daquelas do sistema de adultos, estabelecendo, desteponto de vista, uma responsabilidade penal juvenil, distintadaquela do adulto.q) Resulta disso o estabelecimento de um rol de medidas aplicáveisao adolescente em conflito com a lei, onde o alternativo,excepcional, última solução e por breve tempo será a privação deliberdade. Estas medidas se estendem desde a advertência eadmoestação até os regimes de semiliberdade e ou privação deliberdade em instituição especializada, distinta daquela de adultose por tempo determinado.r) A privação de liberdade será sempre o último recurso, presididapor princípios como brevidade e excepcionalidade, com períododeterminado de duração e somente aplicável em caso de um delitograve.A partir destes primados estabelecidos pela nova ordem internacionalestabelece-se uma mudança paradigmática no Direito da Criança.A Constituição Federal de 1988, antecipando-se à Convenção dasNações Unidas de Direito da Criança, incorporou ao ordenamento jurídiconacional, em sede de norma constitucional, os princípios fundantes daDoutrina da Proteção Integral, expressos especialmente em seus arts. 227 e228.A ideologia incorporada no texto Constitucional norteou o Estatutoda Criança e do Adolescente, legislação infraconstitucionalregulamentadora dos dispositivos constitucionais que tratam da matéria,sendo, em última análise, a versão brasileira do texto da Convenção dasNações Unidas de Direito da Criança.O Princípio da Prioridade Absoluta, erigido como preceito fundanteda ordem jurídica, estabelece a primazia deste direito no artigo 227 daConstituição Federal. Tal princípio está reafirmado no art. 4º do Estatuto daCriança e do Adolescente. Neste dispositivo estão lançados os fundamentosdo chamado Sistema Primário de Garantias, estabelecendo as diretrizespara uma Política Pública que priorize crianças e adolescentes,reconhecidos em sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento.É fundamental explicitar, para compreensão desta nova ordemresultante do Estatuto da Criança e do Adolescente, que este se estrutura apartir de três grandes sistemas de garantia, harmônicos entre si:a) o Sistema Primário, que dá conta das Políticas Públicas de Atendimentoa crianças e adolescentes (especialmente os arts. 4º e 86/88) de caráteruniversal, visando a toda a população infanto-juvenil brasileira, semquaisquer distinções;b) o Sistema Secundário que trata das Medidas de Proteção dirigidas acrianças e adolescentes em situação de risco pessoal ou social, não autoresde atos infracionais (embora também aplicável a estes, no caso de crianças,com exclusividade, e de adolescentes, supletivamente – art. 112, VI, doEstatuto da Criança e do Adolescente), de natureza preventiva, ou seja,crianças e adolescentes enquanto vítimas, enquanto violados em seusdireitos fundamentais (especialmente os arts. 98 e 101). As medidasprotetivas visam a alcançar crianças e adolescentes enquanto vitimizados.c) o Sistema Terciário, que trata das medidas socioeducativas, aplicáveis aadolescentes em conflito com a Lei, autores de atos infracionais, ou seja,quando passam a condição de vitimizadores (especialmente os arts. 103 e112).Este tríplice sistema, de prevenção primária (políticas públicas),prevenção secundária (medidas de proteção) e prevenção terciária (medidassocioeducativas), opera de forma harmônica, com acionamento gradual decada um deles. Quando a criança e o adolescente escapar ao sistemaprimário de prevenção, aciona-se o sistema secundário, cujo grande agenteoperador deve ser o Conselho Tutelar. Estando o adolescente em conflitocom a lei, atribuindo-se a ele a prática de algum ato infracional, o terceirosistema de prevenção, operador das medidas socioeducativas, seráacionado, intervindo aqui o que pode ser chamado genericamente desistema de Justiça (Polícia/Ministério Público/Defensoria/Judiciário/ÓrgãosExecutores das Medidas Socioeducativas).O acionamento destes sistemas faz-se integrado, interessando aosistema terciário de prevenção o adolescente na condição de vitimizador.Enquanto vítima, seja da exclusão social, seja da negligência familiar, etc.,faz-se sujeito de medida de proteção (do sistema secundário de prevenção,de nítido caráter preventivo à delinqüência).O Poder Judiciário detém a demanda do Sistema Terciário deGarantias, na medida que somente ingressam nesses programasadolescentes submetidos à medida socioeducativa, prerrogativa exclusivado Poder Judiciário em face da atribuição ao adolescente da prática de umato definido em lei como crime ou contravenção (Súmula 108, do STJ).Assim, como adiante se retoma, uma das notas fundantes da medidasocioeducativa é seu caráter de coercitibilidade, decorrente da imposiçãofeita pelo Poder Judiciário em sua decisão em face da atribuição da condutainfratora ao adolescente.Os programas socioeducativos dividem-se em dois grupos: privativosde liberdade e em meio aberto, conforme dispõe o art. 112 do Estatuto daCriança e do Adolescente.A lógica que preside o Sistema Socioeducativo, em especial porconta da ausência de uma normativa que regule o processo de execução,tem sido a de que as medidas privativas de liberdade são de atribuição doEstado Federado enquanto as medidas de meio aberto, Liberdade Assistidae Prestação de Serviços à Comunidade são de responsabilidade dosMunicípios.A regra, decorrente do princípio da excepcionalidade que preside aimposição de medida de privação de liberdade, é de que o adolescente aque se atribua a prática de um delito receba a imposição de uma medidanão-privativa de liberdade, de meio aberto. Prevalece aqui, na esferajuvenil, na lógica de um Direito Penal Mínimo, a ênfase às alternativas àprisão perfeitamente adequados à lógica do sistema penal juvenil.Enquanto em relação às medidas socioeducativas que importam emprivação de liberdade resta pacificado o entendimento de que a efetivaçãodos programas de atendimento são de competência do Executivo dasUnidades Federadas, sem prejuízo de parcerias com entidades nãogovernamentais,relativamente ao primeiro grupo de medidas – nãoprivativasde liberdade – a proposição do Estatuto é outra. A competênciapela manutenção dos programas de execução de medidas socioeducativasem Meio Aberto é dos Municípios. Daí ser possível afirmar que,relativamente ao primeiro grupo de medidas, art. 112, incs. I a IV, a plenarealização desses programas está vinculada em direta proporção ao grau decomprometimento dos protagonistas do Sistema de Justiça Juvenil localcom sua efetivação.Pela Municipalização do atendimento a proposta é de que estesprogramas sejam desenvolvidos pelos Municípios, na forma estabelecidapela proposta de instituição do Sistema Nacional Socioeducativo –SINASE, a partir de encaminhamento feito pelo Conselho Nacional deDireitos da Criança e do Adolescente e da Secretaria Nacional de DireitosHumanos.A proposta original de instituição do SINASE elenca comoatribuições dos Municípios:I – formular, instituir, coordenar e manter o Sistema Municipal deAtendimento Socioeducativo, respeitadas as diretrizes fixadas pela União eo respectivo Estado;II – elaborar o Plano Municipal de Atendimento Socioeducativo, emconformidade com o Plano Nacional e o respectivo Plano Estadual;III – criar e manter programas de atendimento para a execução das medidassocioeducativas em meio aberto;IV – editar normas complementares para a organização e funcionamentodos programas do seu Sistema de Atendimento Socioeducativo;V – Cadastrar-se no Sistema Nacional de Informações sobre o AtendimentoSocioeducativo, fornecer regularmente os dados necessários aoabastecimento e atualização do Sistema; eVI – financiar, conjuntamente com os demais entes federados, a execuçãode programas e ações destinados ao atendimento inicial de adolescenteapreendido para apuração de ato infracional, bem como aqueles destinadosa adolescente a quem foi aplicada medida socioeducativa em meio aberto.O modelo de execução pelo próprio Poder Judiciário (herdado doantigo regime do Código de Menores) não se sustenta nessa nova ordem.Não compete à Justiça da Infância a manutenção de programas deatendimento.O papel do Judiciário é de julgar e A manutenção de programas deatendimento se constitui em uma anomalia, herança do anterior sistema doCódigo de Menores, das Instituições Totais e da negação do sistema deatendimento integrado em rede.Corolário das disposições contidas na proposta de instituição doSINASE, o respectivo programa municipal de atendimento deverá estarregularmente inscrito no Conselho Municipal de Direitos da Criança e doAdolescente, independentemente de quem sejam os atores sociais que oexecutem, supondo a existência de uma reede de atendimento.Cabe destacar que compete ao Conselho Municipal dos Direitos daCriança e do Adolescente as funções deliberativas e de controle do SistemaMunicipal de Atendimento Socioeducativo, nos termos previstos no art. 88,II, do Estatuto da Criança e do Adolescente.O regramento trazido na proposta de instituição do SINASEestabelecia ainda a composição mínima da equipe técnica do programa deatendimento, com caráter interdisciplinar, incluindo pedagogo, psicólogo,assistente social e técnico em Medicina. Alterado na Câmara adotou agenérica instituição de técnicos na área de saúde, além de assistente social.Incluem-se na proposta originária de formulação do SINASE, nalinha dos diversos programas em funcionamento no Brasil, como porexemplo os programas socioeducativos desenvolvidos nos municípios deBelo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre, como requisitos obrigatórios paraa inscrição de programa de atendimento:A) a exposição das linhas gerais dos métodos e das técnicaspedagógicas, com a especificação das atividades de natureza coletiva;B) a indicação da estrutura material, dos recursos humanos e dasestratégias de segurança compatíveis com as necessidades da respectivaunidade;C) o detalhamento das atribuições e responsabilidades do dirigente,de seus prepostos, dos membros da equipe técnica e dos demaiseducadores;D) a previsão das condições do exercício da disciplina e concessãode benefícios e o respectivo procedimento de aplicação;E) a política de formação dos recursos humanos;F) a previsão das ações de acompanhamento do adolescente após ocumprimento de medida socioeducativa;G) a indicação da equipe técnica cuja quantidade e formação devemestar em conformidade com as normas de referência do sistema, dosconselhos profissionais e com o atendimento socioeducativo a serrealizado.Fica estabelecido ainda que as entidades que ofereçam programas deatendimento socioeducativo em meio aberto (como aquelas desemiliberdade) deverão orientar os adolescentes sobre o acesso aos serviçosdas unidades de saúde do SUS.Nos termos da proposta originária de instituição do SINASE, nalinha da experiência acumulada nesses vinte anos de vigência do Estatuto,onde os programas socioeducativos estão em funcionamento, ficouestabelecido que tais programas de atendimento das medidas de prestaçãode serviços à comunidade ou de liberdade assistida são responsáveis por:a) selecionar e credenciar orientadores, designando-os, caso a caso,para acompanhar e avaliar o cumprimento da medida;b) receber o adolescente e seus pais ou responsável e orientá–los

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