Vou fazer a louvação, louvação, louvação
Do que deve ser louvado, ser louvado, ser louvado …
Gilberto Gil
A Escola de Música Clave de Sol pede passagem! Neste finalzinho de outono apresentou seu trabalho, espalhando música no ar em bonito espetáculo exibido no espaço sobrevivente denominado “Centro Cultural”. Paciência, é o que nos restou. Aliás, refletindo bem, nós temos o espaço que merecemos, prêmio do conformismo do povo e indiferença dos seus representantes. Diante da nossa triste realidade, pelo menos nos seja dado “louvar o que bem merece…” como diria Gilberto Gil.Música de verdade, é o que oferece Mariângela. Música de verdade é a que tocam e cantam seus pirralhos e seu coral de adultos. Gente dessa estirpe defende a preservação da cultura de Itabuna, já agonizante em várias de suas vertentes.Quando me refiro à cultura, busco seu sentido amplo – melhor dizendo, sócio-antropológico – deixando de lado o significado do senso comum. Sob esse ângulo a cultura é o modo de vida próprio de cada povo, é o fundamento da sociedade, é a distinção entre o homem e o animal.Em síntese, tudo que o homem acrescentou à natureza, no conceito de Claude Levi-Strauss, constituindo legado gerador de uma obrigação para as gerações do porvir. Manter viva a chama que alimenta a sensibilidade, conduzindo a geração do amanhã a fugir da vulgaridade, irmã do mau gosto e da pobreza intelectual, tem sido a missão da Clave de Sol.Não é exagero afirmar que aquelas crianças que ouvi cantando e tocando instrumentos musicais, nos dias 2 e 3 do mês corrente, com as incursões no patrimônio musical dos povos, aprendem o melhor do conjunto de comportamentos, símbolos e práticas sociais, repetidos de geração em geração através da vida em sociedade. Vale ressaltar que o comportamento humano é aprendido e não herdado. A ave canora canta porque nasceu para cantar. O homem vai ter que aprender a cantar. A escolha do repertório é opção de cada um, dependendo da lapidação propiciada pela educação. O pior é que o povo grapiúna só tem dançado…A propósito, será que a sociedade merece o culto do “arrocha” e da tenebrosa “dança da garrafa”? Ou seria preferível saber que a música popular brasileira, para ser apreciada e vivida, não precisa degradar-se?
Em verdade, temos música para todos os gostos: clássicos como Villa Lobos e Carlos Gomes: a “Bossa Nova” (merece iniciais maiúsculas) nossa fase de ouro; sambas imortais nos versos de Cartola e Pixinguinha, Noel Rosa; o Nordeste de Luiz Gonzaga, Dominguinho e Nando do Cordel, passando pelos imortais chorinhos. Um número inesgotável de cantores e compositores embelezam e envaidecem nossa herança musical, enriquecida, ainda mais, pela contribuição de Antonio Carlos Jobim (o outro, é evidente, o maestro “Antonio Brasileiro”, orgulho e glória da MPB brasileira), Toquinho, João Gilberto, Edu Lobo, Caetano e Chico Buarque, Milton Nascimento, Dorival Caymmi, Gonzaguinha. Ora, é um nunca acabar de beleza, bom gosto e criatividade, sem esquecer as marchinhas, frevos, sambas e sambas-enredo carnavalescos, abafados pelos decibéis tão em moda na “modernidade” bahiana ou “pós-modernidade” (sabe Deus!) e de alguns poucos Estados que acham por bem ler na mesma cartilha. Beleza pura gente ! Vai ver que nós, com o tímpano rompido, não entendemos.No particular, neste chão itabunense que é nosso, padecemos de uma espécie de “vassoura de bruxa cultural”, caminhando para a endemia: passamos de cinco cinemas e três teatros para os trios elétricos e shows do Espora de Ouro, espaço existente na antiga fazenda do Coronel Tertuliano Guedes de Pinho, generoso doador da área que chegou a ser nosso aeroporto, sem esquecer da destruição de imóveis que faziam parte da memória de Itabuna. Vale lembrar que o Cine Marabá reservava um dia da semana para exibição do “Clube do Cinema”, coordenado por um grupo de amantes da sétima arte.Com a devida vênia, este solo que tanto amamos,é a cidade do “foi”, “será um dia”, “vai ser”, “chegou a ser”, cantilena ouvida nos palanques eleitoreiros. Enquanto isso o remédio para a endemia não é empregado apesar de existir. E todos sabem que existe…Paciência, gente. Já encerrei minha louvação. De vez em quando é preciso acordar do sono acenado pelo “berço esplêndido” para cantar com Gilberto Gil:Louvando o que bem mereceDeixo o que é ruim de lado…Mariângela Montalvão merece a louvação.
Sônia Carvalho de Almeida Maron
Juíza de Direito
Ex-professora da UESC
Vice-presidente da ALITA